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eu sou um milagre

  • marcelaperrote
  • 21 de fev. de 2024
  • 5 min de leitura

e você também


Foi quando no meio de um atendimento médico me veio essa epifania: eu sou um milagre. O que aconteceu eu já te conto. Mas, sabe, todo dia eu atendo alguém que pensa não ser um milagre. Tudo bem, eu também não pensava. E é isso que quero conversar com você.


Pelo olhar simplista, convenhamos que é um grande acidente e uma bela loteria você e eu existir. Se pensarmos friamente e de forma superficial, quem diria que essa semente, diante de tantas possibilidades, poderia ser a que daria fruto. E cá estamos. Eu e você. Respirando. Com funções vitais acontecendo. Cada um com o seu misto de sensações. Personalidades distintas. Descobrindo o viver.


Quando nascemos somos infinitos em possibilidades. Uma folha em branco a ser preenchida com as cores que virão. Os pais adicionam um tanto. A ausência deles também. E aí vamos conhecendo as nuances do mundo. E aquele monte de possibilidade vai se apequenando nas direções que vamos ganhando e adicionando.


Chega numa parte da caminhada, tão cedo já somos tão velhos, que ficamos buscando um sentido para o viver. A gente esquece do acaso-loteria, a gente esquece das possibilidades infinitas. A gente vai esquecendo de lembrar dessa pequenice que diz tanto.


Quando eu tinha vinte e três anos, faz tempo um bom tempo, eu vi uma finitude da vida bem de pertinho. Os cinco anos que seguiram me transformaram. Precisei me desencaixotar e desestruturar para encontrar nova forma. Os médicos diziam ser trabalhoso. Alguns não botaram fé. E foi uma longa caminhada de descobrir a minha própria fé, para então eu descobrir as medicinas que sustentariam essa travessia. Quando a gente chega numa linha final, existe uma reação característica do torpor: a gente entrega. O que vier, é lucro. Isso existe porque entendemos, que, aquele respiro suspiro temporário pode ser finito e daí nossas possibilidades escorrem na mão. Existe algo transformador quando há o encontro no ápice.


Deu tudo certo no final. Os médicos diziam que era um milagre. Foi uma das vezes que isso me aconteceu. E ainda assim eu não acreditei totalmente. Voltei a viver, voltei para os túneis que nos apequenam. Claro, absorvi a transformação que isso gerou. Mas ainda não havia me entregado radicalmente. A nossa mente fica o tempo todo ajustando a lente e meus olhos ainda tinham manchas profundas. E tudo bem. Geramos camadas e camadas ao viver, desfazer dessa roupa e reencontrar a natureza é uma avenida de encontro.


A segunda vez que ouvi que era um milagre foi na semana passada. No começo, demorou para entender o que estava acontecendo. Começou assim: primeiro eu pensei que era cansaço. Depois eles pensaram que eram vitaminas. Depois pensei que era uma noite mal dormida. Daí eles pensaram que era torcicolo. E assim seguimos sem saber o que acontecia, alternando experimentos. A vida arrebata a gente, né? Foi quando acordei sem alguns movimentos, e os próximos dias que vieram mexeram em estruturas ainda mais profundas.


Desta vez eu já estava mais ancorada na fé. Não estou falando especificamente de religião, não. Mas eu já tinha subvertido a ordem do nascer e morrer nessa existência. Conhecia o travessão chamado reviver. Quando a gente passa por algo assim, você entende que, diariamente, a vida se faz nesse ciclo. Então minha fé era sobretudo a respeito da força e a sabedoria do corpo. Essa plataforma que dá suporte na nossa organicidade e que ancora o respiro chamado espírito.


Desta vez a sorte se fez mais breve, os médicos certos chegaram mais rápido, o meu repertório interno já estava acordado, já podia abraçar minha pequeneza e despir mais um pouquinho. Eu sabia que era hora de entregar ainda mais, desta vez mais radicalmente. E não foi fácil. Precisei soltar diversos apegos. Deixar mais caixas de contenção. Coisas que me seguravam num conforto quente. Mas que minavam a capacidade da semente florescer de fato. E assim fui. E quem podia me dar as mãos, apareceu.


A vida foi tecendo. Redescobrindo cada movimento do corpo. Um corpo velho que abriga histórias e memórias descobrindo o novo. Um paralelo. Agora um bebê vivendo no velho. É fresco e profundo, como uma tinta que acabou de colorir um quadro. Não me demoro nessa descoberta. Se antes eu tinha celebrado o pós finito, agora celebro o recém chegado. Uma loteria. Todo dia exercitar o movimento.


Foi quando os médicos se surpreenderam: uma recuperação tão rápida de algo tão profundo. É um milagre, eles disseram. Uma caminhada ainda, eles dizem. Todo dia eu coloco um pé e depois o outro, e danço nesse espacinho.


Dos milagres que vivi não tenho teorias. Somente que eu sou um milagre, e você também. Me parece que a vida é experimento. A gente aprende algo e coloca em movimento. A gente esvazia algo e logo preenche. Preenche e esvazia. Isso vai acontecendo de forma simultânea e entrelaçada. O bebê jovem que logo fica velho. O velho que retorna a ser jovem. Eles existem no que É.


Do que vivenciei, senti que:

todo dia é um bom dia para fazer diferente,

todo dia é um bom dia para viver como o último,

todo dia é um bom dia para celebrar seu corpo-casa,

todo dia é um bom dia para experimentar algo que aprendeu e alargar fronteiras,

todo dia é um bom dia para desembaçar, um pouco mais, as vistas manchadas e encontrar o SEU olhar diante do viver.


Sabe, todos os dias nos acontecem coisas surpreendentes, mágicas, profundas. Diariamente derrubamos muito, quebramos caixas, enfrentamos barreiras,

suportamos além do que imaginamos ou pensamos dar conta. O milagre talvez esteja naquele pequeno momento onde corpo se formou e manifestamos respiro. E ele se torna presente porque ele É. Esse abrigo tão cheio de possibilidades e que acomoda o que Somos.


E, para os dias que você esquecer, te escrevo para que se lembre: você é um milagre. Sua existência é uma manifestação viva, pulsante, orgânica e sábia. O seu corpo detém conhecimentos e chaves. Suas emoções são a sabedoria fluindo para que você experimente e manifeste vida, apenas fluxos que te levam para novas direções e com isso escolher novas possibilidades. E, o seu repertório é uma avenida de transformação - de si e das lentes que ainda mancham. Não tenha pressa de chegar em algum lugar, esse tempo acontece a todo momento.


Te envio carinho e desejo saúde,


Que possamos nos encontrar sempre com a alegria da descoberta, de peito aberto, para os novos ventos.


Marcela



**** Este texto foi escrito em maio de 2022 e enviado na mesma época para a lista dos inscritos que recebem as cartas virtuais. Agora, finalmente publicado aqui. ;)


*Esses textos não correspondem a nenhuma opinião do site em si, são apenas elaborações particulares baseadas na minha experiência pessoal e o que absorvo ao viver, construções sempre em tecedura e renovação.


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